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Liderança Antifragil – Segunda Parte

Liderança Antifragil – Segunda Parte

Refletindo a liderança um pouco além… (Parte 2)

Que tal não olharmos para trás de forma diferente? Mas sim, olharmos para frente, diferente de como estamos olhando, agora, para trás.

Quando terminei meu último artigo com a reflexão acima, vivíamos a terceira semana de isolamento social: um misto de silenciamento pessoal relevado pelo grande domínio das diversas mídias mostrando que o vírus apresentava ainda um crescimento descontrolado.

Entramos na 4ª semana neste contexto inegável de distanciamento social; momento em que vários especialistas buscam realizar comparações com diversos momentos de nossa história (não tão recente): peste negra; gripe espanhola; gripe suína; 2ª Guerra Mundial, dentre outras.

Essa é uma tendência do ser humano de realizar analogias que, geralmente, busca explicar o ciclo da vida, como hoje conhecemos. É uma comparação extremamente difícil de ser realizar, decorrente das variáveis, semelhanças e diferenças entre essas ameaças do passado com o pesadelo que assola o nosso presente. 

O foco não deve estar somente na análise desses cenários históricos, os quais são importantes pelas experiências de vitória (e fracasso), mas não suficientes.

Necessário avaliar que ainda não temos todos os dados necessários para que haja uma comparação analítica fiel ao momento corrente. Outros “Cisnes Negros” podem (e irão) ainda surgir, de acordo com alguns especialistas. Então, o que fazer? 

Vamos buscar, primeiramente, recuperar quais foram as ações, que executadas por líderes daquela época, poderiam ser transmutadas para o nosso momento atual, como aprendizado de momentos da nossa história, visto que nem todas as ameaças são iguais, e nem as crises têm as mesmas dimensões.

Durante grande parte da história, quando não se sabia o que provocava as infecções, alguns micróbios podiam dizimar a população que atingiam. A Peste bubônica (peste negra), praga que atingiu a Europa por volta de 1350, foi aterrorizante (as pessoas ficaram isoladas e ninguém saia às ruas): matou cerca de um terço da população europeia e causou escassez de mão de obra para os proprietários de terras.

Consequência: lideranças com novas forma de pensar, fizeram com que o sistema vigente (feudal), que forçava pessoas a trabalhar nas terras de um senhor para pagar seu aluguel, começasse a desmoronar, levando a Europa a desenvolver um novo formato de economia mais moderno.

Na primeira parte do século passado, o mundo sobreviveu à gripe espanhola e a dois conflitos mundiais: a gripe espanhola contaminou mais de 500 milhões de pessoas e provocou entre 17 e 50 milhões de mortes; as duas grandes guerras deixaram um saldo de aproximadamente 80 milhões de mortos, 50 milhões de feridos e quase 200 milhões de refugiados. São números, que como o COVID-19 assustam, mas que poucas pessoas têm conhecimento. Durante a 2ª Guerra Mundial, a Alemanha tinha por objetivo estratégico o enfraquecimento da Inglaterra, visando a sua ocupação.

Para isso, colocou em prática a campanha de bombardeamentos estratégicos a várias cidades da Inglaterra, denominada “Blitz”; começando com o bombardeio aéreo de Londres, que se seguiu por 57 noites consecutivas. No final de 1941, mais de 43 000 civis, metade deles em Londres, foram vitimados pelas bombas, e mais de um milhão de casas destruídas ou danificadas. Consequência: fracasso alemão em atingir o objetivo da “Blitz”, que seria minar o moral do povo britânico.

Apesar de grande parte da população londrina ter “migrado” para o interior (ou ficado vivendo em abrigos), visando sua segurança (com escolas e várias empresas fechando), a liderança manteve-se em Londres (inclusive a Rainha Elisabeth I).  Com o início da guerra, a rainha e seu marido, o rei George VI, foram aconselhados a buscar abrigo no Canadá. Mas, em resposta ao conselho, ela fez uma declaração que entrou para a história como símbolo da resistência britânica: “As crianças não irão sem mim, eu não irei sem o rei e o rei nunca irá”.

A sociedade mudou muito nos últimos anos, mas, olhando nossa própria história, é fantástico constatar que determinados princípios são eternos, apesar de sabermos que as circunstâncias são etéreas. A humanidade tem tudo o que precisa para conter e superar essa crise. Não é a Idade Média. Não é a peste negra. Não é a 3ª Guerra Mundial.

Apesar de algumas pessoas duvidarem, temos a percepção concreta do que estamos enfrentando, temos a tecnologia e temos o poder econômico para superar isso. Os fatores são outros, mas os aspectos de liderança que se impõe são os mesmos. A pergunta é: como temos usado a nossa liderança?

Inegável que empresas serão fechadas. Previsões mais positivas, consideram que chegaremos a 16 milhões de desempregados. Cenários futuros mostram que ainda estamos distantes do pico, e a curva de infectados segue em ascensão. Volto então a reflexão inicial: “Que tal não olharmos para traz de forma diferente? Mas sim, olharmos para frente, diferente de como estamos olhando, agora, para traz”. Acontecimentos adversos, incontroláveis e imprevisíveis, denominados como crises ou eventos estressores sempre estiveram presentes na vida de todo ser humano.

Já vimos que somos capazes de realizar transformações decorrente dessas crises diversas já vividas. Basta primeiro, não negar que ela existe, e que ela tem potencial de abalar as estruturas existentes; segundo, perceber que só vamos sair dela por meio da cooperação e do trabalho em conjunto; e terceiro, é NOSSA responsabilidade garantir que estamos realizando todas as ações para alcançar esse objetivo, reaprendendo com o passado e realinhando expectativas. 

Na maioria das vezes, o que está por trás das chamadas “habilidades de liderança” são formas específicas de pensar e de agir; um jeito próprio de ver o mundo e atuar sobre ele. Por isso mesmo, o comportamento da liderança pode ser treinado e aprendido a partir de certos “modelos de pensamento”. A aviação comercial é antifrágil e melhora a cada acidente aéreo. Isso porque quando um avião cai, as falhas são analisadas e a segurança é reforçada para se evitar que outros possam cair futuramente. Esse é que vem a ser o ponto de convergência do líder antifrágil: 

  • aprender com o erro dos outros, não deixando de agir por temer a ocorrência de erros com riscos menores (você aprende com eles caso se confirmem); 
  • adaptar-se à realidade existente, reforçando-se, melhorando, evoluindo para encarar os eventos adversos de frente e se aperfeiçoando diante deles, o que a psicologia social chama de “crescimento pós-traumático”; 
  • desconfiar sempre quando tudo caminha bem e de forma muito fácil; pois a aleatoriedade deve ser encarada com naturalidade, como fator benéfico, sempre na busca de aperfeiçoamento;
  • reconhecer e trabalhar as suas vulnerabilidades no enfrentamento de ataques ou mudanças bruscas, visando aperfeiçoá-las, em vez de camuflá-las na busca de um caminho seguro (a chamada “zona de conforto”).

Quando o cérebro assume a direção, você se abre para um mundo novo de possibilidades, e o pensamento muda de “eu posso?” para “EU POSSO!”. Todos nós temos papéis a desempenhar no mundo, como indivíduos e em nossas organizações. Entender que mundo novo é esse é importante para nos prepararmos para o que vem por aí. A questão é: o que o faremos com o conhecimento que temos? 

  • Iremos nos quebrar como um vaso de porcelana, na sua passividade excessiva, de acreditar que alguém sempre irá nos socorrer? Quando você está frágil, depende que as coisas sigam o exato curso planejado, com um mínimo de desvio possível, pois os desvios são mais prejudiciais do que úteis. Ainda mais quando ocorre a sensação de estar envolto e protegido em sua zona de segurança; ou
  • Resistir aos fortes ventos como um bambu chinês, resiliente a toda sorte de adversidade, mas que não sai do lugar? O ser resiliente não sofre com a diversidade, e, após enfrentá-la, retorna a sua forma original, ou seja, não se prejudica, mas também não se beneficia. A capacidade de recuperar o seu equilíbrio, mesmo navegando em mar revolto é extremamente importante, pois evita o trauma, o vitimismo e toda série de risco psicossocial, mas ainda não é suficiente para o contexto de mundo VUCA em que vivemos; ou
  • Fortalecer a si próprio, como ocorre com o sistema imunológico do corpo humano, que evolui ao lidar com diferentes vírus ou bactérias? Essa é a essência da antifragilidade. Não somente manter o equilíbrio, mas voltar melhor, torna-se melhor a partir de uma ameaça.

Fica a reflexão interrogativa acima, e o pensamento positivo, que aproveito, parafraseando o personagem Gandalf (interpretado pelo ator britânico Ian McKellen), na franquia O Senhor dos Anéis, para finalizar: “Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado”.

Msc. Wanderley Villarinho
Observador Internacional da Paz
Consultor em Liderança
da Vale S.A